NOVAMENTO O PORTUGUÊS EM MOÇAMBIQUE
Um dia destes, “surfando
na net” deparei com um pândego qualquer que, com sotaque brasileiro,
dissertava sobre o significado de algumas palavras usadas actualmente no
português falado em Moçambique como, por exemplo, bichar, desconseguir,
machimbombo, etc.. Fiquei completamente siderado. Primeiro por ser um
brasileiro a explicar aquilo que os portuguese sabem há mais de cem anos e,
segundo, pela santa ignorância evidenciada. O sujeito, que nunca deve ter lido
Mia Couto, certamente desconhece que em Portugal há (se é que ainda existe)
imensa literatura abordando não só questões de ordem linguística como, também, etnográfica
acerca de todos os países do actualmente chamado espaço lusófono Enfim,
situações com que nos deparamos nos tempos que correm e que já só nos suscitam
um encolherem de ombros.
A mim deu-me a oportunidade de regressar a 1952, à cidade
de Inhambane e a Moçambique, fazendo-me recordar este inesquecível episódio da
minha vida, que passo a contar.
Ao contrário do que o “politicamente correcto” do regime vigente
naquela altura impunha como verdade absoluta, era diminuto o número de negros
moçambicanos que falava português. E mesmo esses poucos falantes aprendiam-no
de ouvido, do que resultava as deturpações que o descrito “”sábio” brasileiro
parece só ter descoberto agora. Os nativos de Moçambique entendiam-se entre si
falando os dialectos locais que tinham regras gramaticais próprias muito
rudimentares. Daí, como toda a gente que lá viveu sabe, advinha a grande
dificuldade no cumprimento das nossas regras muito mais sofisticadas e às quais
só tinham acesso aqueles que tivessem o privilégio de frequentar a escola e que
eram muito poucos.
Dizia eu anteriormente que havia regressado a Inhambane e
a 1952, altura em que me encontrava instalado numa “república” que admitia
apenas aspirantes administrativos como era o meu caso.
Aconteceu um dia qualquer, na habitual pausa após o
jantar, o cozinheiro se apresentar, como era costume, perante o “D.Maria” de
serviço, requerendo ordens para as refeições do dia seguinte. O português, com que
ele se expressava, deve ter constrangido o seu interlocutor que decidiu que era
chegada a hora de o ensinar a falar correctamente nossa língua, exibindo aos
circunstantes quão profundos eram os seus conhecimentos na matéria. Eu e os
demais presentes mantivemo-nos sentados, curiosos por ver em que é que aquilo
ia dar, ouvindo o orador desenvolver as regras básicas das concordâncias que o pobre
cozinheiro escutava pasmado, certamente convicto de que lhe estivam a falar
chinês. E o “mestre” continuava entusiasmado, exemplificando para melhor se
fazer entender: - no presente eu falo, no passado eu falava; no singular eu
dizia, no plural nós dizíamos; e continuava por ali fora até que achou chegada
a altura de avaliar a apreensão da matéria dada por parte do aluno cozinheiro.
Fez uma pausa e perguntou
- Percebeste tudo o que eu expliquei?
O desgraçado cozinheiro, já enfadado, com ar de quem
comeu e não gostou, respondeu prontamente:
- Percebeste sim patrão!
Como se torna evidente a estória acaba aqui. O professor
improvisado passou a ditar ao cozinheiro os menus do dia seguinte.