terça-feira, 19 de novembro de 2013

O MEU RIO

Num longínquo dia do ano de 1931, foi-me dado vir a este mundo nesta pequena vila ribatejana que, prazenteira, se debruça sobre o rio Tejo: VILA NOVA DA BARQUINHA. Se me são saudosos  os muitos anos de permanência em Moçambique, não o são menos aqueles que vivi e me formaram na minha terra natal. E, sendo assim, sentir-me-ia limitado se não trouxesse a este meu "site" um só que fosse dos meus vários poemas de saudade já publicados pelo jornal barquinhense Novo Almourol.
                                                                                                                                       

O MEU RIO

 
O meu rio era uma estrada de prata
que eu via refulgir ao Sol,
por entre o verde salgueiral da maracha:
a jusante espelhando a torre da Cardiga,
a montante o alvo casario do Arripiado.
Cordeirinho manso quando o Verão se adensa,
tigre enfurecido no Inverno agreste.
O meu rio morava ali, perto de mim,
na minha frente do outro lado da rua
e, quando a raiva o enfurecia, transbordava,
e entrava-me em casa sem pedir licença,
assim  como se fosse da família;
tal qual como eu, quando o calor apertava,
sem sequer a salvação lhe dar,
entrava por ele adentro para me refrescar.
Os cais do meu rio estavam pejados de barcos:
canoas, faluas, fragatas varinos e abringéis,
e jangadas com toros de pinho,
que ali aportavam com destino à serração.
E, ainda, a barca que o atravessava de manhã cedo,
trazendo os burros ajoujados de hortaliças,
com gente da Carregueira que a vinha vender à praça.
Era um rio com vida que vibrava e tinha raça,
que nascia e morria todos os dias num arrebol de luz.
No meu rio voavam galinholas e narcejas,
nadavam o barbo, o sável e a lampreia,
serpenteavam as enguias, saltavam as fataças.
Ali, na sua margem junto ao denso canavial,
eu deixava escoar o tempo num contemplativo olhar,
vendo deslumbrado o rio naquele seu suave deslisar.
Mas, agora, que tantos anos são volvidos,
quando procuro esse meu rio, não o encontro.
Desapareceu, não existe.
O que resta do meu rio são resquícios,
de um rio a que continuam chamando Tejo.
Mantem o mesmo nome, é certo!
Mas já não é o meu rio.
 
 

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