terça-feira, 5 de agosto de 2014


NOVAMENTO O PORTUGUÊS EM MOÇAMBIQUE

Um dia destes, “surfando na net” deparei com um pândego qualquer que, com sotaque brasileiro, dissertava sobre o significado de algumas palavras usadas actualmente no português falado em Moçambique como, por exemplo, bichar, desconseguir, machimbombo, etc.. Fiquei completamente siderado. Primeiro por ser um brasileiro a explicar aquilo que os portuguese sabem há mais de cem anos e, segundo, pela santa ignorância evidenciada. O sujeito, que nunca deve ter lido Mia Couto, certamente desconhece que em Portugal há (se é que ainda existe) imensa literatura abordando não só questões de ordem linguística como, também, etnográfica acerca de todos os países do actualmente chamado espaço lusófono Enfim, situações com que nos deparamos nos tempos que correm e que já só nos suscitam um encolherem de ombros.

A mim deu-me a oportunidade de regressar a 1952, à cidade de Inhambane e a Moçambique, fazendo-me recordar este inesquecível episódio da minha vida, que passo a contar.

Ao contrário do que o “politicamente correcto” do regime vigente naquela altura impunha como verdade absoluta, era diminuto o número de negros moçambicanos que falava português. E mesmo esses poucos falantes aprendiam-no de ouvido, do que resultava as deturpações que o descrito “”sábio” brasileiro parece só ter descoberto agora. Os nativos de Moçambique entendiam-se entre si falando os dialectos locais que tinham regras gramaticais próprias muito rudimentares. Daí, como toda a gente que lá viveu sabe, advinha a grande dificuldade no cumprimento das nossas regras muito mais sofisticadas e às quais só tinham acesso aqueles que tivessem o privilégio de frequentar a escola e que eram muito poucos.

Dizia eu anteriormente que havia regressado a Inhambane e a 1952, altura em que me encontrava instalado numa “república” que admitia apenas aspirantes administrativos como era o meu caso.

Aconteceu um dia qualquer, na habitual pausa após o jantar, o cozinheiro se apresentar, como era costume, perante o “D.Maria” de serviço, requerendo ordens para as refeições do dia seguinte. O português, com que ele se expressava, deve ter constrangido o seu interlocutor que decidiu que era chegada a hora de o ensinar a falar correctamente nossa língua, exibindo aos circunstantes quão profundos eram os seus conhecimentos na matéria. Eu e os demais presentes mantivemo-nos sentados, curiosos por ver em que é que aquilo ia dar, ouvindo o orador desenvolver as regras básicas das concordâncias que o pobre cozinheiro escutava pasmado, certamente convicto de que lhe estivam a falar chinês. E o “mestre” continuava entusiasmado, exemplificando para melhor se fazer entender: - no presente eu falo, no passado eu falava; no singular eu dizia, no plural nós dizíamos; e continuava por ali fora até que achou chegada a altura de avaliar a apreensão da matéria dada por parte do aluno cozinheiro. Fez uma pausa e perguntou

- Percebeste tudo o que eu expliquei?

O desgraçado cozinheiro, já enfadado, com ar de quem comeu e não gostou, respondeu prontamente:

- Percebeste sim patrão!

Como se torna evidente a estória acaba aqui. O professor improvisado passou a ditar ao cozinheiro os menus do dia seguinte.

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