domingo, 22 de setembro de 2013

A MACHAMBA


                                            A MACHAMBA
                                                                                                                      
                                                                                       
 
Curvada,
a cabeça quase a roçar o solo,
xicomo aferrado às mãos calosas,
mamana
amanha a machamba
 
Batida com toda a sua força, 
a lâmina de aço
resvala na terra dura e ressequida.

Na clareira que a queimada deixou livre
há-de ela plantar o seu sustento:
amendoim, milho e alguns pés de mandioca.
Seu filho ainda mufana
dormita embalado no seu balançar
bem seguro nas suas costas
pela capulana que ela amarrasobre o peito.
 
mamana
é que não pode sequer dormitar,
o tempo é curto, tem que trabalhar.
Sob aquele Sol tórrido,
peroram-lhe a testa bagas de suor,
que pingam, gota a gota,
e se somem na terra que abrasa. 

mamana
tem os braços já tão doridos
e nem por um momento sequer pode parar.
 O trabalho urge e ela nem sabe:
será que os Deuses, depois, vão mandar chuva?
 
mamana
isso não sabe apenas pensa:
ou, melhor, tem a certeza:
é  que se a chuva não vier,
é a fome que vai chegar,
sinistra, implacável, seca e dura
muito mais ainda,
do que aquela  terra que ela tem para arrotear

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XICOCO: enxada  MAMANA mulher adulta. MACHAMBA: horta, terreno de cultivo. MUFANA: miúdo, criança. CAPULANA: pano de cores garridas.


 




segunda-feira, 16 de setembro de 2013

BATUQUE DE FOGO


                                                                                                                                                           
                                                                                     
Negra
como a noite.
Quente
como o fogo
ardente

Serpeando
ao som dos tambores
que rasgam a noite,
num ritmo estonteante,
a negra,
dança, em trejeitos insanos,
delirante.

A chama das fogueiras,
brilhantes,
incendeiam- lhe o olhar
e o corpo da negra
 a refulgir,
dança e dança,
até que noite escura,
 mais escura do que ela
avenha possuir.




 
o som dos tambores
que repercutem
em ritmo estonteante.
A negra
contorce-se frenética,
Delirante.
O fogo das fogueiras,
brilhante,
refulge no seu olhar,
e a negra dança,
e dança,
até que a noite escura,
mais escura do que ela,
a venha possuir.
 
 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

 

                        O MAGAÍÇA
                                                                            



 Quando, em 1952, cheguei à cidade de Inhambane (Moçambique), deparei, entre a população nativa local, com uma figura extraordinariamente curiosa: o Magaíça. Tomei, então, conhecimento de que por volta de 1873 tivera inicio uma corrente migratória para os países vizinhos carentes de mão-de-obra para as minas que começavam, por essa altura, a ser ali exploradas. Inicialmente de forma desordenada, os homens válidos da tribo local, os tongas, partiam na busca de um trabalho melhor remunerado. Sempre em crescendo essa corrente emigratória comum também a outras tribos atingiu tais proporções que as autoridades portuguesas passaram a intervir, exigindo e estabelecendo convenções, a última das quais, a de 1914,  veio a incluir, finalmente, o tão desejado pagamento diferido que quebrou, em boa parte, a desenfreada exploração de que eram vítimas os mineiro no final do contrato e, concomitantemente, possibilitou ao Banco de Portugal a aquisição de algumas toneladas de ouro.
 
Ora o emigrante quando regressava terminado o contrato (normalmente de 2 anos), supostamente bem abonado, passava  a ser apodado, no seu dialeto (bitonga), de Magaíça. Invariavelmente, às sextas-feiras, o navio Save encostava à ponte-cais de Inhambane para desembarcar mais uma leva de magaíças que chegavam ajoujados com múltipla bagagem composta, geralmente, por inúmeras malas com roupa, calçado, utensílios para cozinhar, candeeiros a petróleo,violas, charruas, máquinas de costura, bicicletas, gramofones, artigos de toilette e o mais que fosse que a sua ingenuidade achasse útil adquirir. Era um espetáculo observar o monte de cangalhada que juntavam no local onde vinham receber o resto do seu salário,  muitos deles vestindo pesados sobretudos, com a temperatura a ultrapassar os 40 graus.


Foi a pensar nesta gente, humanamente extraordinária, que me ocorreu, há tempos ,       traçar-lhes este retrato.


 
 
Mamparra, do teu longínquo mundo,
com malipa e muito xicuembo,
 te levarem até às profundezas da Terra
onde te sepultaram vivo.
 
No calor infernal da mina, 
o corpo pingando suor,
cuspistes sangue dos pulmões estoirados
pela sílica traiçoeira.
 
No escuro breu das galerias,
de picareta em riste, rasgastes a pedra dura 
 para arrancares o vil metal
que faz mexer o mundo.
 
Alguém, que nem sequer  na mina entrou,
enriqueceu.
Mas tu, que vendestes o teu esforço
por uns míseros tostões,
regressas tão pobre como partistes,
 deslumbrado com as futilidades,
 que trazes contigo:
 
 
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MAMPARRA: estúpido, ignorante; MALIPA: mentira;
XICUEMBO: feitiço; CUCHE-CUCHE: feiticeiro;
(dialeto tsonga) 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

MOÇAMBIQUE

        Para recordar Moçambique nada melhor do que a poesia...

                                                           MOÇAMBIQUE

 
ESVOAÇAM NAS ALTURAS AS FOLLAS DOS COQUEIROS,
O ÍNDICO ONDEIA EM TONS DE AZUL E COR ESMERALDA,
ACARICIANDO, NO SEU LONGO AFAGO DE ALVA ESPUMA,
AS PRAIAS DOURADAS QUE SE AMORENAM AO SOL 
 
OS DIAS FINDAM NUM ARREBOL DE LUZ INTENSA,
QUE INCENDEIA O CÉU EM COLOSSAL QUEIMADA.
CHEGA  O CACIMBO DA NOITE, ÁGIL E SORRATEIRO,
PARA ORVALHAR O CAPIM QUE BRILHA À LUZ DA LUA.
 
É, ENTÃO ,MAIS PROFUNDO O CHEIRO A TERRA MOLHADA,
 SOAM TAMBORES E TIMBILAS  NA QUIETUDE DA NOITE
ANIMANDO OS BATUQUES QUE DESASSOSSEGAM O SONO,
EM CORPOS ÉBRIOS DE PRAZER NOS RITUAIS DA DANÇA.
 
TOMBAZANAS, MANINGUE XUNGUILAS, CAPULANA XIBANTE,
PASSEIAM VAIDADES ENTRE AS BANCAS DO BAZAR.
MAMANAS MAFUTAS COMPRAM, NO XITOLO DO MONHÉ,
FARINHA E CAMARÃO SECO PARA A MATAPA DE AMANHÃ.
 
NOS BAIRROS DO CANIÇO, ONDE A CERVEJA ANIMA A ALMA,
CORPOS NEGROS DANÇAM,DESENGONÇANDO AS ANCAS,
EM GESTOS SENSUAIS, AO RITMO FRENÉTICO DA MARRABENTA,
QUE RASGA A NOITE TODA ATÉ QUE SURJA A MADRUGADA.
 
MOÇAMBIQUE,
TEUS KUCHE-KUCHE E TEUS XICUEMBOS,
ME ENFEITIÇARAM:
MINHA SAUDADE NÃO SE DILUI NO TEMPO...
 
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TOMBAZANA: rapariga; MANINGUE: muito; XUNGUILA: bonita; CAPULANA: pano que substitui a saia; XIBANTE: garrido; MAMANA: mãe, mulher casada; MAFUTA: gorda; XITOLO: loja; MONHÉ: comerciante indiano; MATAPA: prato confecionado com camarão seco, farinha e folha de abóbora;  Kuche-Kuche: feiticeiro; XICUEMBO: feitiço.