quarta-feira, 11 de setembro de 2013

 

                        O MAGAÍÇA
                                                                            



 Quando, em 1952, cheguei à cidade de Inhambane (Moçambique), deparei, entre a população nativa local, com uma figura extraordinariamente curiosa: o Magaíça. Tomei, então, conhecimento de que por volta de 1873 tivera inicio uma corrente migratória para os países vizinhos carentes de mão-de-obra para as minas que começavam, por essa altura, a ser ali exploradas. Inicialmente de forma desordenada, os homens válidos da tribo local, os tongas, partiam na busca de um trabalho melhor remunerado. Sempre em crescendo essa corrente emigratória comum também a outras tribos atingiu tais proporções que as autoridades portuguesas passaram a intervir, exigindo e estabelecendo convenções, a última das quais, a de 1914,  veio a incluir, finalmente, o tão desejado pagamento diferido que quebrou, em boa parte, a desenfreada exploração de que eram vítimas os mineiro no final do contrato e, concomitantemente, possibilitou ao Banco de Portugal a aquisição de algumas toneladas de ouro.
 
Ora o emigrante quando regressava terminado o contrato (normalmente de 2 anos), supostamente bem abonado, passava  a ser apodado, no seu dialeto (bitonga), de Magaíça. Invariavelmente, às sextas-feiras, o navio Save encostava à ponte-cais de Inhambane para desembarcar mais uma leva de magaíças que chegavam ajoujados com múltipla bagagem composta, geralmente, por inúmeras malas com roupa, calçado, utensílios para cozinhar, candeeiros a petróleo,violas, charruas, máquinas de costura, bicicletas, gramofones, artigos de toilette e o mais que fosse que a sua ingenuidade achasse útil adquirir. Era um espetáculo observar o monte de cangalhada que juntavam no local onde vinham receber o resto do seu salário,  muitos deles vestindo pesados sobretudos, com a temperatura a ultrapassar os 40 graus.


Foi a pensar nesta gente, humanamente extraordinária, que me ocorreu, há tempos ,       traçar-lhes este retrato.


 
 
Mamparra, do teu longínquo mundo,
com malipa e muito xicuembo,
 te levarem até às profundezas da Terra
onde te sepultaram vivo.
 
No calor infernal da mina, 
o corpo pingando suor,
cuspistes sangue dos pulmões estoirados
pela sílica traiçoeira.
 
No escuro breu das galerias,
de picareta em riste, rasgastes a pedra dura 
 para arrancares o vil metal
que faz mexer o mundo.
 
Alguém, que nem sequer  na mina entrou,
enriqueceu.
Mas tu, que vendestes o teu esforço
por uns míseros tostões,
regressas tão pobre como partistes,
 deslumbrado com as futilidades,
 que trazes contigo:
 
 
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MAMPARRA: estúpido, ignorante; MALIPA: mentira;
XICUEMBO: feitiço; CUCHE-CUCHE: feiticeiro;
(dialeto tsonga) 
 
 
 
 
 
 

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