quinta-feira, 13 de novembro de 2014


    

 

 

    A UM OLHAR TRISTE
 

Na sua face, pálida marfim,
Há uma tristeza expressa no olhar.
Talvez um drama intenso a ocultar,
Quiçá louca paixão guardada assim.
 

Fosse eu o feiticeiro Aladim
E a lâmpada - magia invulgar-
Poria aqueles olhos a brilhar
Num júbilo imenso sem ter fim.
 

E aquela face triste dolorida.
Lembrando a Florbela da poesia,
Sorriria feliz pra toda a vida.
 

E eu poderia, então passar a ver
 Um outro rosto pleno de alegria
 E aqueles olhos rindo de prazer

 

domingo, 9 de novembro de 2014




A MINHA TERRA

 

A minha terra não existe, sou eu que a fantasio
com pequenos fragmentos que vou roubar ao passado,
peças de um puzzle que não se encaixam no presente.
A minha terra tem um rio que corre prazenteiro,
reflectindo o céu, as nuvens e o verde salgueiral,
onde, no silêncio que ali impera, se vê vogar o pensamento.
Procuro e não encontro já ali o meu cais de embarque,
donde partií um dia remando na canoa das minhas ilusões,
pois o rio, agora, espelha apenas ausências doutro tempo.
A minha terra tem um castelo de mouros que flutua,
vetusto e altaneiro, sobre as brumas desse rio.
Percorro as ruas desertas e silenciosas da minha terra,
calmas e cheias de ternura, por onde adejam fantasmas,
bruxas e dianhos, fadas e duendes das minhas fantasias.
Pela calada da noite oiço ainda o longo bater das badaladas,
no relógio da torre da igreja, vagabundeando as horas.
Aqui, algures, estão os alicerces da minha construção
que o tempo há muito demoliu e, agora, já são nada.
Na minha terra eu não existo, é ela que existe em mim,
trazida pela espuma do tempo no seu lento desfazer.
Por tudo isto é que aminha terra não existe,
sou eu que a conservo no formol da minha loucura,
e é a saudade, que magoa e me entristece,
que ma traz de volta …

sexta-feira, 12 de setembro de 2014


TARDE DE VERÃO          

          

           Na tarde dum Verão abrasador,
           Procuro que uma sombra me proteja.
   Sento-me à mesa, peço uma cerveja,
E olho o panorama em meu redor, 


Mulheres lindas fogem ao calor,
Vestindo a minissaia que as areja,
De modo que o umbigo bem se veja,
E os seios se desnudem sem pudor. 


Pesam-me os anos já nesta visão,
Pois que o passado é, agora, um mito
E o presente só mera presunção. 


Por isso na velhice cumpro um rito:
Sentado ali, olhando a multidão,
Cerro os olhos e, às tantas, já dormito.


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A MINHA ROSA AMARELA
No roseiral do jardim,
Há uma rosa amarela:
Eu nunca vi rosa assim,
Nem sei dizer como é bela.
 
Tão macia, tão sedosa
Na sua cor tão singela,
Tão perfumada, amorosa,
Que me apaixonei por ela.
 
É uma rosa encantada
Por um duende qualquer,
Deu-lhe a beleza uma fada,
O cheiro não sei dizer.
 
Choro a minha tristeza
Junto à rosa desta cor,
Nas demais, tenho a certeza,
Encontro paz e amor.
 
Por rosas me apaixonei,
Nos caminhos deste Mundo,
Por amarelas, bem sei,
Tenho um carinho profundo.
 
Nostálgica, indefinida,
É na tristeza um abrigo,
Acompanha-me na vida,
E há-de morrer comigo.
 
E sempre que fenecer,
Desfolhada, sem acção,
Outra rosa há-de nascer,
Dentro do meu coração.

terça-feira, 5 de agosto de 2014


NOVAMENTO O PORTUGUÊS EM MOÇAMBIQUE

Um dia destes, “surfando na net” deparei com um pândego qualquer que, com sotaque brasileiro, dissertava sobre o significado de algumas palavras usadas actualmente no português falado em Moçambique como, por exemplo, bichar, desconseguir, machimbombo, etc.. Fiquei completamente siderado. Primeiro por ser um brasileiro a explicar aquilo que os portuguese sabem há mais de cem anos e, segundo, pela santa ignorância evidenciada. O sujeito, que nunca deve ter lido Mia Couto, certamente desconhece que em Portugal há (se é que ainda existe) imensa literatura abordando não só questões de ordem linguística como, também, etnográfica acerca de todos os países do actualmente chamado espaço lusófono Enfim, situações com que nos deparamos nos tempos que correm e que já só nos suscitam um encolherem de ombros.

A mim deu-me a oportunidade de regressar a 1952, à cidade de Inhambane e a Moçambique, fazendo-me recordar este inesquecível episódio da minha vida, que passo a contar.

Ao contrário do que o “politicamente correcto” do regime vigente naquela altura impunha como verdade absoluta, era diminuto o número de negros moçambicanos que falava português. E mesmo esses poucos falantes aprendiam-no de ouvido, do que resultava as deturpações que o descrito “”sábio” brasileiro parece só ter descoberto agora. Os nativos de Moçambique entendiam-se entre si falando os dialectos locais que tinham regras gramaticais próprias muito rudimentares. Daí, como toda a gente que lá viveu sabe, advinha a grande dificuldade no cumprimento das nossas regras muito mais sofisticadas e às quais só tinham acesso aqueles que tivessem o privilégio de frequentar a escola e que eram muito poucos.

Dizia eu anteriormente que havia regressado a Inhambane e a 1952, altura em que me encontrava instalado numa “república” que admitia apenas aspirantes administrativos como era o meu caso.

Aconteceu um dia qualquer, na habitual pausa após o jantar, o cozinheiro se apresentar, como era costume, perante o “D.Maria” de serviço, requerendo ordens para as refeições do dia seguinte. O português, com que ele se expressava, deve ter constrangido o seu interlocutor que decidiu que era chegada a hora de o ensinar a falar correctamente nossa língua, exibindo aos circunstantes quão profundos eram os seus conhecimentos na matéria. Eu e os demais presentes mantivemo-nos sentados, curiosos por ver em que é que aquilo ia dar, ouvindo o orador desenvolver as regras básicas das concordâncias que o pobre cozinheiro escutava pasmado, certamente convicto de que lhe estivam a falar chinês. E o “mestre” continuava entusiasmado, exemplificando para melhor se fazer entender: - no presente eu falo, no passado eu falava; no singular eu dizia, no plural nós dizíamos; e continuava por ali fora até que achou chegada a altura de avaliar a apreensão da matéria dada por parte do aluno cozinheiro. Fez uma pausa e perguntou

- Percebeste tudo o que eu expliquei?

O desgraçado cozinheiro, já enfadado, com ar de quem comeu e não gostou, respondeu prontamente:

- Percebeste sim patrão!

Como se torna evidente a estória acaba aqui. O professor improvisado passou a ditar ao cozinheiro os menus do dia seguinte.

quarta-feira, 18 de junho de 2014


SIM AO ALCOOL!
 
O branco e o tinto são pra mim sagrados,
Mas não rejeito a boa aguardente.
Gosto, também, dos verdes bem gelados,
Nem à cerveja fico indiferente.

Os vinhos velhos são mais degustados,
Bebo o whisky mui suavemente,
Tal como sorvo os vinhos abafados,
Minha afeição por vós é evidente.
 
E quando a vertical, por mais que tente,
Se mostre impossível de repor,
Oh Baco! Terminai-me esta aflição
 
Já não vejo, não sinto, estou carente,
Mas vou atrás de vós, seja onde for,
Até de gatas, mesmo ao trambolhão!

terça-feira, 17 de junho de 2014

SORRISO MAROTO


Vi teu sorriso garoto
Quando passaste por mim,
E notei o ar maroto
Com que troçaste de mim.
 
Nunca vi olhos tão lindos,
Como os teus quando me olharam,
Tinham encantos infindos,
No modo como brilharam.
 
Pareceram ter tom castanho,
Com um dourado infinito,
Que colorido tão estranho
Tinha o teu olhar bonito.
 
Esmeralda? Da cor do mar?
Ou azul como é o céu?
Dos olhos, vou-me lembrar,
Mas a cor já me esqueceu.
 
Mas que interessa a cor agora,
Se os olhos perdi de vista?
Restou-me, p’la vida fora,
O teu sorriso trocista!

 

 

VILA NOVA DA BARQUINHA
 

Canoa de teu rio foi o berço
Que embalou meus sonhos de menino.
De minha juventude o universo,
O cais onde embarquei sem ter destino.
 
Cumprindo esse meu fado controverso,
Ninfas do Tejo, em seu poder divino,
Ditaram-me o caminho, rumo inverso,
Coartando-me a razão e o pouco tino.
 
Raiz de meus avós, dum tempo ido,
Da escola, da infância desabrida,
Do Tejo encantador que não olvido.
 
Marco de toda a minha identidade,
Sois parte do meu ser, da minha vida,
O espelho onde me vejo com saudade.

 

quarta-feira, 26 de março de 2014

ONDE VAIS PARAR REFORMA

Poesia, disse Rabindranath Ta gore "é o eco da melodia do Universo no coração dos humanos". Eu direi antes: é o eco, sem melodia alguma, da desolação dos reformados portugueses perante os desumanos corações de quem os governa. Aqui vai o meu contributo em prova desta asserção:

 
      PARA ONDE VAIS TU REFORMA
 

São hoje dezanove, o dia certo.
Acordo de manhã em alvoroço,
E corro ao multibanco, ali bem perto:
Quero saber se hoje inda há caroço.
 
É que já me cortaram na reforma,
E ameaçam um dia cortar mais,
Se os cortes vão passar a ser a norma,
Pobre pensão pra onde é que tu vais 

Chego a um dia, sem eu dar por isso,
Neste cortar assim tão vigoroso,
Só tenho pra comer pão com chouriço,
E se este estiver podre ou rançoso.

Neste país falido, sem futuro,
Onde prós velhos se acabou a vida,
Um dia lá mais tarde, o que eu auguro:
-Ver a reforma aos poucos ser delida.
 
Por isso me antecipo a pensar,
Só há uma solução no horizonte:
Construo uma barraca e vou morar,
NUM SÍTIO RESGUARDADO, SOB A PONTE!

 
Rio de Mouro, 25 de Março de 2914
 
                           MAIA PEREIRA


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

 

 
                       CASTELO DE ALMOUROL
 
Vem de lá bem longe, da bruma dos séculos,
De um tempo antigo de demorada lembrança,
Façanhoso, alcandorado na sua jangada de pedra,
Rasgando o rio, atento e vigilante, hoje guardião do nada.
Nas suas muralhas ecoa, ainda, o desespero dos vencidos,
E o grito de vitória dos que lhe ultrapassaram a porta.
Lendária morada de gigantes e de mouras encantadas,
Palco de muita e inúteis lutas, goza, agora, da paz eterna
Num demorado sono em seu solitário eremitério.
Achei-me há dias - e só num sonho podia ter sido -
Remando novamente, rio acima, até aquela ilha.
Na noite escura, a lua cheia brilhava intensamente.
Galgada a escadaria esboroada pelo roçagar do tempo,
Penetrei no vazio imenso do castelo e chamei gritando:
Ramiro, Beatriz, Misaguarda, Polinarda!?
No alto das muralhas o vento afagava as ameias
E, naquele silêncio angustiante, ninguém me respondeu.
Se procurardes, no falar daquelas pedras, a razão das coisas,
Elas dissertarão sobre a verdade factual que faz a História.
Mas eu, que procuro no choro pungente dos salgueiros,
Um motivo justificado para esta minha nostalgia,
Oiço apenas o sussurro brando do rio que corre remansoso
 
 

 
 

domingo, 16 de fevereiro de 2014


    PETIÇÃO AO MARQUÊS
 
        

Desculpa-me Marquês esta insolência,
Ao descrever-te em verso mal rimado,
Nosso País, agora em decadência,
Que vive pobre e um tanto mal tratado.
 
 País enorme em tempos de decência
 É, agora, um quintal mal-amanhado,
 Que pede esmola em estado de insolvência
 Já sem orgulho e meio envergonhado.
 
A bandalheira é tanta que entristece,
Muito lixo, demais a sordidez,
Tudo é confrangedor e envilece.
 
Falta gente capaz, do teu jaez,
Por isso olha o País que esmorece,
E, assim que puderes, volta Marquês!

 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

                                             Constância é uma vila extremamente airosa que, em anfiteatro, desce lá do alto para se debruçar sobre a confluência dos rios Tejo e Zêzere, num cenário de peculiar beleza. Das várias vezes que a visitei, pondo de parte a panorâmica que nos encanta, há duas peculiaridades que me inspiraram os "desabafos poéticos" que se vão seguir. O primeiro refere-se à estátua de Luiz de Camões ali existente. O poeta está sentado com um livro no colo, veste à época, mas tem os pés descalços. O que terá  querido dizer o escultor com tamanho desconchavo? Interrogo eu nestas minhas redondilhas:

                                                                      


 
"MEU CANSADO SOFRIMENTO "

 

 

Ao Constância visitar
Que espanto não foi o meu,
Ver o Camões ali estar,
Sentado de pés ao léu.

 
Teria havido um percalço,
Ou devaneio do escultor?
Estar ali de pé descalço,
Não será pouco rigor?
 
Camões à beira do rio,
Em situação de revés,
Mesmo no Inverno frio,
Ia ali molhar os pés?
 
Dos joanetes sofria,
Ou estaria tão cansado
Que se sentou, quem diria,
Tendo os sapatos tirado?
 
 Que a micose causa abalos,
Toda a gente sabe disso,
Também sofria dos calos,
Ou picou-se num caniço?
 
Talvez fosse matacanha,
Pegada no Oriente,
Ponho estas questões sem manha,
E a dúvida é pertinente
 
Mas não vi nenhum calçado
Ali ao pé da escultura.
Os sapatos, desgraçado,
Deixaste-os na sepultura?
 
Não quero aqui ser profeta
Somente venho alertar:
Calcem mas é o poeta,
Que se pode constipar!
 
                  
                                       O meu segundo "diferendo" vem do facto de eu ser um      indefectível opositor da ideia de se aprisionarem animais, sejam eles  quais forem, como  forem, ou a que pretexto  forem. Talvez por ter andado por África e ter visto aquela ainda imensa e variada bicharada movendo-se em infindáveis planícies (tandos), criei este conceito de que a nossa Mãe Natureza não criou tanta variedade de bichos para estarem metidos em jaulas e gaiolas. E foi o que quis dizer nestas minhas quadras: 
 
      
            LIBERTEM AS BORBOLETAS!
 
 
Novo Almourol diz então:
Em Constância, (custa a crer),
Fizeram uma prisão,
Prás borboletas meter.
 
Para não ferir a mente,
Num  gesto discricionário,
Deram-lhe um nome eminente,
Que nem está no dicionário.
 
Seja o nome lá que for,
É sempre uma coisa feia.
Para mim causa horror
Ver insetos na cadeia.
 
Constância é meu percalço,
Faz-me sempre confusão:
O Camões de pé descalço,
Borboletas na prisão.
 
A nossa Mãe Natureza,
Pô-las no mundo animal,
Pra mostrar sua beleza
Em liberdade total.
 
Exijo pois, sem demora,
E não me venham com tretas,
Quero os insetos cá fora,
 LIBERTEM AS BORBOLETAS!
 
                             
                             
 
 
 
 
 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014



 

 


Que olhos…
 
Entrei numa livraria,
Numa hora abençoada,
Queria um livro de poesia,
E fui encontrar uma fada.
 
Ou uma santa qualquer,
Fugida do seu altar:
Tinha formas de mulher,
E uns olhos a cintilar.
 
Duas esmeraldas brilhando,
Numa tez em tom marfim,
Duas estrelas cintilando,
Num rosto de querubim.
 
Amendoados, tão belos
Só lhe encontrei um senão:
Guarda-los e poder tê-los
Dentro do meu coração.


Tivesse eu dinheiro aos molhos,
Fosse milionário um dia,
Para ver sempre esses olhos
Eu comprava a livraria.
 
Rio de Mouro, 27/O1/2014